A construção do Portugal cristão, levou a que os primeiros reis portugueses tomassem contacto com as comunidades judaicas existentes, utilizando-as ao seu serviço (foi decisiva a intervenção de judeus ao lado de D. Afonso Henriques, na tomada de Lisboa em 1147) e concedendo-lhes privilégios pelo auxílio prestado no povoamento do território. As comunidades alargavam-se, de tal modo, que no reinado de D. Dinis (1278-1324) havia comunas judaicas espalhadas por todo o país.No final do século XV viveriam em Portugal cerca de 30 000 judeus. Entregues a profissões urbanas , organizavam-se em comunas sempre que o seu número excedia as dez famílias. Socialmente, compunham pelo menos três grandes classes: os banqueiros ricos, mercadores, financeiros, físicos e detentores de cargos públicos, grupo pequeno mas economicamente importante e privilegiado; os artesãos e os pequenos mercadores; e os pobres e indigentes, uma pequena minoria. Todos eram obrigados ao pagamento de pesados impostos.
Organizados em redor da sinagoga, mantendo os seus usos e costumes, viviam em bairros, as judiarias, geralmente apartados das zonas cristãs por muralhas, cercas e portões que se fechavam à noite, mas não longe, já que as profissões que exerciam (médicos, boticários, mercadores) os mantinham em permanente contacto com a população. As famílias mais importantes, por inerência das suas funções de conselheiros financeiros do rei, juntavam-se, muitas vezes, à corte. Regiam-se por leis próprias e podiam apelar directamente para os monarcas que a eles se referiam, nos documentos, como coisa sua: “judei mei”.
Cada judiaria era uma cidade dentro da cidade: possuía cadeia, cemitério e uma organização social bem estratificada, sob a autoridade do rabi, eleito pelos notáveis, coadjuvado por vários funcionários: tabeliães, escrivães e degoladores que tomavam a seu cargo a matança ritual do gado. No topo da pirâmide, o arrabi-mor, nomeado pelo monarca e que, com este, tratava directamente todos os assuntos respeitantes às comunidades.
Durante a Idade Média , a generalidade da população de Coimbra vivia dentro da cerca, encimada pela alcáçova de origem califal: aí se situava o castelo, último reduto de todo o sistema defensivo, a Sé, o Paço dos Bispos e as principais igrejas paroquiais.
Extramuros, destacava-se a imponência do Mosteiro de Santa Cruz, fundado em 1131 pelos cónegos regrantes de Santo Agostinho, que marcou um período fundamental na afirmação identitária de Portugal. Santa Cruz e os seus monges marcaram a cultura monástica em Portugal e por essa via foram uma referência intelectual.
O mais antigo bairro judaico situava-se na encosta, do lado de Santa Cruz, nas ribas de Corpus Christi (Corpo de Deus). O bairro muçulmano, em frente ao Mosteiro. Havia pois, uma Coimbra cristã, uma Coimbra judaica e uma Coimbra árabe que se perfilavam como vértices de um triângulo ecuménico de miscigenação cultural.
Em Junho de 1139, por mandado do Infante D. Afonso Henriques, era demarcada a paróquia de Santa Cruz, limitada a sul pela riba dos judeus. No prolongamento da Judiaria para nordeste, até à Almoinha Régia, (almonia regis), que depois foi a Quinta de Santa Cruz e, actualmente, é Avenida Sá da Bandeira, encontravam-se o almocávar e a Fonte dos Judeus.
Esta era uma zona pouco povoada , nela se movendo apenas os judeus, pois era rigorosamente proibida a entrada de mulheres cristãs no bairro e estava sujeita a grandes limitações a entrada de homens. De salientar, no entanto, a boa vizinhança estabelecida com os cónegos regrantes de Santa Cruz que, durante o reinado de D. João III (1521-1557), transformaram em rua (das Figueirinhas) o íngreme carreiro, no topo nordeste da Judiaria, por onde mal podia passar um homem.Não consta de documentos escritos ou autorizados que esta Judiaria tenha tido portas ou que nela tenha havido sinagoga que funcionaria, à semelhança de outras, numa casa de habitação adaptada. No coração da judiaria, uma ermida, da invocação do Corpo de Deus ou de Nossa Senhora da Vitória, mandada edificar ou acrescentar em 1367, ainda hoje existe mas com traçado setecentista.
A primeira tentativa para delimitar a Judiaria Nova ocorreu, no local designado de Pedreira, próximo da Colegiada de São Salvador. Contudo e, devido à forte oposição dos padres de São Salvador, o Rei delimitaria a nova Judiaria próximo do Largo de Sansão, num terreno insalubre, frequentemente afectado por cheias.
A Judiaria Nova estender-se-ia pela área compreendida entre a Rua Direita e a Colegiada de Santa Justa (de um lado) e até ao Largo da Freiria (no outro). Esta delimitação terá ocorrido cerca de 1360/80.Esta área acolhera também os mesteirais que aqui se estabeleceram, facto, ainda hoje, bem presente na toponímia da área comercial (Baixa).
Descrita em 1139 como um dos limites da paróquia de Santa Cruz, localizar-se-ia junto do início da Couraça dos Apóstolos, naquele que era designado por “terreno da fonte dos judeus”, constituindo um dos limites da judiaria. Foi, mais tarde, remodelada, sendo a actual uma construção barroca, de decoração cuidada, cujo acabamento data de 1725.
Compõe-se de um pano definido por duas pilastras de ordem dórica simplificada sustentando um entablamento e dois outros corpos em forma de aletas deitadas, delimitadas por pedestais, sobre os quais se levantam pirâmides. Possui uma longa legenda alusiva à obra promovida pelo Desembargador del-Rei, Doutor Pedro Rodrigues de Almeida. A escadaria em que se entrega foi projectada pelo Arquitecto António Madeira Portugal e concluída em 1986, ano em que se deu a transferência da fonte do seu local original, por trás do Mercado D. Pedro V.
O Pátio da Inquisição deve o seu nome ao conjunto de edifícios de valor histórico e arquitectónico onde funcionou, a partir de 1548, o Tribunal do Santo Ofício.
As casas dão para um pátio interior que terá tido um jardim. Para além do edifício que foi sede da Inquisição coimbrã, o pátio congregou o primitivo Colégio das Artes, um claustro parcialmente limitado por arcadas jónicas do século XVI e um outro pátio interior, à volta do qual foram instaladas várias dependências da Inquisição: cárceres, salas de tormento e as casas onde viveram os próprios inquisidores.
As celas, podemos hoje antevê-las, através dos grossos vidros que lhes colocaram e que lhes servem de tecto. Trazem hoje, consigo, a beleza que encontramos no tijolo burro dos fornos, nos grandes arcos do piso médio ou numa estreita abóbaba que podemos ver numa sala de elevado pé direito, logo seguida por uma outra abóbada numa sala muito pequena e baixa. Numa das pequenas salas resta uma quase sombra de uma pintura decorativa a fresco. Traço negro, indelével e logo bruto, mostrando um simplificado vegetalismo.
O edifício é notável. Não só na sua arquitectura primitiva, como nas sucessivas intervenções que foi sofrendo, incluindo a que o Arquitecto João Mendes Ribeiro estabeleceu para a actual adaptação da Ala Poente do Antigo Colégio das Artes ao funcionamento do CAV / Encontros de Fotografia.
Fronteiro ao Mosteiro de Santa Cruz, o antigo Largo de Sansão era, naturalmente, um lugar de encontro, razão por que aqui se realizaram mercados e festas. Característica que, aliada à sua monumentalidade, determinou que aqui se houvesse realizado um auto de fé.
Como se sabe, o local de realização de autos de fé era cuidadosamente escolhido não apenas pelo protocolo que envolvia rígidas questões de precedência como, e sobretudo, pela dimensão operativa que detinham e, por essa razão, pelo enorme impacto que provocavam em toda a população que a eles assistia.
A Praça do Comércio, Praça Velha, de São Bartolomeu ou simplesmente Praça, foi o centro do arrabalde de Coimbra e, desde sempre, uma zona importante na vida da urbe. O recinto da Praça foi, durante séculos, um dos mais notáveis centros da actividade coimbrã e, por isso, aí tiveram lugar a grande maioria dos autos de fé ocorridos na cidade.
O primeiro auto de fé público realizado na cidade ocorreu nesta praça em 05 de Outubro de 1567, nele saindo penitenciados 27 homens e 72 mulheres, seis das quais queimadas vivas. Mas, célebres ficariam os autos de fé de 18 de Junho de 1623 e de 05 de Maio de 1625.No primeiro, saíram 139 pessoas, dez delas relaxadas em carne, nele tendo saído também Violante de Faria (presa desde 17 de Outubro de 1621) e, sua irmã, Mariana do Deserto, freiras do Convento de Santana e filhas do lente de Matemática André de Avelar, condenadas em cárcere e hábito penitencial a arbítrio. No mesmo auto saiu André de Avelar, preso pela segunda vez desde 17 de Outubro de 1622, condenado a cárcere perpétuo sem remissão, sendo enviado para Lisboa, dois dias depois, para ali cumprir a pena. Em 04 de Maio de 1624, um outro auto de fé se realizaria na mesma praça, nele saindo Pedro Homem de Faria, filho do mesmo André de Avelar, preso em 11 de Fevereiro de 1621 e condenado a ir no auto com insígnias de fogo e a cinco anos de galés, onde serviria ao remo, sem soldo.No Domingo, 05 de Maio de 1625, saíram 189 pessoas, das quais onze eram freiras. Nove pessoas de origem judaica foram queimadas vivas, entre elas uma freira professa no Mosteiro de Semide.
Nascida por vontade dos Jesuítas, começou a ser construída em 1598. A sua fachada denota o longo tempo de construção, cerca de um século: a primeira fase de linhas marcadamente Clássicas e uma segunda fase ao gosto Barroco. Os Santos da Companhia de Jesus – Santo Inácio e São Luis Gonzaga, São Francisco Xavier e São Francisco de Borja – marcam, escultoricamente, a primeira fase da fachada.
Foi igreja privativa do Colégio da Companhia de Jesus e pertenceu à Ordem até à sua expulsão de Portugal, em 1759. Pese embora, a Companhia de Jesus, tenha estado ligada ao Santo Ofício, atacando heresias e as comunidades hebraicas, até cerca de 1620, este templo não se encontrava directamente ligado à Inquisição. Este é, no entanto, um espaço simbólico pois aqui viveu durante três anos, no colégio contíguo à Igreja, o Padre António Vieira, após ter sido condenado pelo Santo Ofício. Foi também aqui que, na tarde do dia 23 de Dezembro de 1667 foi condenado, pelo mesmo tribunal, “a ser privado para sempre da voz activa e passiva, de pregar e a ficar recluso na casa da sua religião que o santo ofício designasse”.
Fundada em Lisboa em 1290, foi transferida definitivamente para Coimbra em 1537, no reinado de D. João III, instalando-se no Paço Real. Da mesma época, data também, a reforma dos estudos e o ingresso de novos docentes, portugueses e estrangeiros.
Novos métodos e novas matérias científicas eram aqui transmitidos e esse conhecimento era mais vivo nos “estrangeirados”, portugueses que, por virtude das suas viagens, contactaram directamente com outros países europeus. Mas, era também mais vivo, na importante comunidade docente judaica e cristã nova que nesta Universidade, uma das mais antigas da Europa, desenvolveu e transmitiu importantes estudos científicos, nomeadamente, nos campos da medicina, das ciências exactas e da botânica, transformando-a num centro de “livre pensamento” que se tornava ameaçador para a unidade da fé e para a política religiosa e cultural do Reino. Todo e qualquer desvio da política do Concílio de Trento era condenado e um grande número de professores sofreu perseguições, acusados de homossexualidade e prática de actos imorais, blasfémias contra a religião, tendências para o protestantismo e judaísmo muitos sendo encarcerados, condenados e forçados a abandonar as suas cátedras.
Poucas inovações no ensino foram toleradas e a universidade entrou em estagnação, insistindo na metodologia escolástica e mostrando-se pouco permeável a qualquer progresso científico e avanço cultural. Poucos foram os que, lutando contra a censura organizada e generalizada, ultrapassaram o empirismo transformando-o em atitude científica esclarecida.